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Diferença entre posse e detenção

  • Foto do escritor: Tainara Vanzella
    Tainara Vanzella
  • 16 de jan. de 2023
  • 6 min de leitura

Imagine a seguinte situação:


João foi contratado para prestar alguns serviços na casa de campo de José. João residia em um imóvel localizado na propriedade e tratava dos animais, bem como era responsável por adquirir os produtos necessários para o desenvolvimento das atividades. João já exerce a referida atividade, que é popularmente conhecida como “caseiro”, há mais de 10 anos.

A pergunta é a seguinte: João teria direito de entrar com um pedido de usucapião nessas condições?


É justamente essa pergunta que eu vou responder neste conteúdo.


Inicialmente, é importante esclarecer que o tema “usucapião” gera diversas dúvidas, pois apesar de se tratar de um instituto bastante antigo e que todo muito conhece, há muitos detalhes e requisitos que precisam ser preenchidos para que alguém adquira um imóvel por meio da usucapião.


Em linhas gerais, a usucapião nada mais é que um instituto jurídico, em que a pessoa que se mantiver na posse de um bem móvel ou imóvel por determinado período, agindo como se fosse dono, passa a ter direito a adquirir a propriedade do referido bem, desde que cumpra todos os requisitos legais.


Portanto, pode-se concluir que os requisitos são os seguintes:


  • posse mansa, pacífica e sem interrupção;

  • ausência de oposição do proprietário ou de terceiros;

  • intenção de dono; agir como se dono fosse do imóvel;

  • exercício pelo tempo previsto em lei.


Verifica-se que são vários os requisitos que devem ser cumulativamente preenchidos para que uma pessoa possa ter direito de usucapir um imóvel, mas no conteúdo de hoje vamos focar na posse, especialmente no que diz respeito as distinções entre posse e detenção.


O que é posse?


Possuidor é aquele que tem o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, ou seja, é aquele que realiza algumas das faculdades da propriedade, conforme prevê o art. 1.196 do Código Civil.


O que é detenção?


Por outro lado, a detenção é aquela situação em que alguém conserva a posse de outro em cumprimento às suas ordens e instruções.


Conclui-se, portanto, que posse e detenção são distintas.


Um exemplo de mera detenção seria o caso do “caseiro” em relação ao imóvel que ele cuida.


É aqui que se encaixa a situação hipotética citada acima, uma vez que João estava tão somente cumprindo as ordens e instrução de José, consistente em cuidar do imóvel e alimentar os animais.


Quais são as consequências disso para fins de usucapião?


Conforme verificamos acima, os requisitos para a usucapião é justamente o exercício da posse pelo tempo determinado em lei, de forma mansa, pacífica, sem oposição de terceiros e com a intenção de dono.


Por isso, quando configurada a detenção, não poderá o detentor se utilizar da usucapião para adquirir a coisa. Isso porque, não haverá a existência da intenção de dono.


Em outras palavras, meros atos de detenção não autorizam a aquisição da propriedade por meio do instituto da usucapião, pois são atos de mera tolerância.


No caso da situação hipotética narrada, João não tinha a intenção de ser dono da propriedade, portanto, um dos requisitos da usucapião não foram preenchidos.


É de se ressaltar que situação inversa só seria possível se houvesse comprovação de que houve a inversão do caráter da posse, mas isso precisa ser devidamente comprovado pelo detentor.


Veja um exemplo de uma decisão da Justiça em que não há reconhecimento de usucapião nos casos de mera detenção:


APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL. USUCAPIENTE CASEIRO DO IMÓVEL. DETENÇÃO. CONTINUIDADE DA DETENÇÃO POR LIVERALIDADE OU ATO DE PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA DA SUCESSÃO APÓS ÓBITO DO PROPRIETÁRIO. A detenção, típica do caseiro que mora no local sob as ordens do dono, não gera usucapião, salvo inversão do caráter da posse, que não se demonstra, porque a continuidade da detenção, após o óbito do proprietário, decorreu de liberalidade ou ato de permissão ou tolerância dos sucessores. A detenção não contém ânimo de dono nem gera usucapião, que exige posse com as características para o usucapião. (Apelação Cível Nº 70054412556, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 26/06/2013)

Aqui, é importante trazer algumas situações hipotéticas de casos cotidianos para elucidar melhor o conteúdo:


Herdeiro pode pedir usucapião de imóvel objeto de herança?


Imagine que Paulo possui três filhos: Maria, Ana e Pedro. Paulo cedeu um dos seus imóveis para Pedro residir e ele já mora no referido imóvel há mais de 10 anos. O pai, Paulo, veio a falecer.

Pergunta-se: Paulo pode pedir usucapião do imóvel de propriedade de seu pai, no qual ele estava residindo?


A verdade é que essa situação é bastante comum na prática: a ocupação de um imóvel objeto de herança exclusivamente por um dos herdeiros.


Nesta situação, surge a seguinte dúvida: é possível que o herdeiro que ocupa o imóvel de forma exclusiva ingresse com pedido de usucapião sobre o bem de herança?


Bom, até mesmo por conta de ser uma situação bastante comum no cotidiano do judiciário, os Tribunais chegaram à conclusão de que é possível sim, que um dos herdeiros ingresse com pedido de usucapião de um bem objeto de herança. Porém, por óbvio que o herdeiro que se encontra na posse do bem deverá comprovar o preenchimento de todos os requisitos mencionados acima.


A fim de elucidar os ensinamentos acima, confira uma decisão judicial sobre o tema:


AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para: a). reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b). anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao artigo 535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel (REsp 668.131/PR, 4ª Turma, DJe 14/09/2010).

Por isso, é importante se atentar as medidas que devem ser adotadas pelos demais herdeiros nos casos após o falecimento. Caso os demais herdeiros queiram proteger o patrimônio.


Vou dar um exemplo prático e simples que pode ser utilizado por qualquer pessoa afim de evitar que um dos herdeiros ingresse com pedido de usucapião de imóvel objeto da herança:


  • Demonstre oposição com relação à usucapião: não espere o tempo passar, formalize um contrato ou realize a notificação do herdeiro que está residindo no imóvel. Isso demonstrará que há oposição ao exercício da posse.


Não se trata de travar uma disputa entre os herdeiros, ao contrário, se trata de uma precaução para evitar constrangimentos e desavenças futuramente.


Conclusão


Em resumo, os requisitos para usucapião são os seguintes:


  • posse mansa, pacífica e sem interrupção;

  • ausência de oposição do proprietário ou de terceiros;

  • intenção de dono; agir como se dono fosse do imóvel;

  • exercício pelo tempo previsto em lei.


Uma vez preenchidos os requisitos, haverá direito de usucapir o imóvel.


A mera detenção, por sua vez, não confere direito de usucapião, pois se trata de uma situação em que alguém conserva a posse de outra pessoa em cumprimento às suas ordens e instruções, ou seja, não há o exercício de posse com a intenção de dono (requisito exigido para fins de usucapião).


É importante ponderar que cada caso deve ser analisado individualmente, por um advogado especialista em Direito Imobiliário, haja vista que assim será possível desenvolver uma resposta concreta de acordo com as peculiaridades do seu caso.


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